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sábado, 20 de agosto de 2016

Vamos começar a falar um pouco dessa bela turca




Dona Marina é uma entidade proveniente do Tambor de Mina, estando, portanto, inserida no universo mítico e ritualístico das religiões afro-amazônicas. No entanto, como os ritos afro-brasileiros, de acordo com suas matrizes estético-culturais, influenciam-se uns aos outros, a Encantada Mariana transcende o contexto do Tambor, atravessando fronteiras e aparecendo nas práticas de outras religiões afro-brasileiras.
A Bela Turca, descrita com longos cabelos loiros, pele branca e olhos azuis, características físicas idealizadas a partir da influência europeia, pertence, segundo o universo ritualístico do Tambor, à Família da Turquia. Os Turcos são, nesse contexto, nobres orientais, pertencentes à Corte Imperial da Turquia, formando uma família extensa, constituída de nobres e vassalos encantados que formam uma sublinha de voduns, com forte influência islâmica. São denominados Turcos Otomanos ou Mouros.
Os Turcos encantados pertencem à “linha da água salgada”, aparecendo, em sua mitologia, ligados ao mar, de várias maneiras: lutando em batalhas navais, dominando dunas e praias, etc. Gostam de vestir-se bem, são bastante receptivos, embora alguns sejam rústicos e grosseiros. Suas cores ritualísticas são o vermelho, o verde e o amarelo, presentes nas vestimentas feitas de panos vistosos e coloridos. Os Turcos gostam de beber, de preferência licor, cidra e cerveja, sendo que as entidades masculinas costumam tomar vinho e cachaça.
Por suas qualidades distintas – carisma, liderança, irreverência, vaidade, justiça, força, fraternidade, juventude e espírito maternal –, Dona Mariana é uma das entidades mais populares e bem quistas do Tambor de Mina. Sua missão é ajudar o próximo por meio de seus saberes ritualísticos e de seus conhecimentos da medicina popular. Não menos importante é sua missão em cumprir com suas obrigações para com o Tambor de Mina e para com seus adeptos nos rituais em sua homenagem, dos quais a Encantada participa.
Dona Mariana, ao chegar à Guma, apresenta-se com vestimentas ritualísticas, portando panos vistosos, nas cores rituais, e também adornos, tais como brincos, pulseiras e anéis – signos visuais da entidade;. A partir de então, a Encantada conta sua própria narrativa mítica para os adeptos da Mina. Nos rituais de Tambor de Mina, as entidades incorporadas nos mineiros revivem, através das performances orais e corporais, o seu passado distante e fabuloso, onde se configuram manifestações simbólicas relacionadas a uma série de eventos em que se apresentam suas histórias, antes ou depois do encantamento.
Enquanto canta e dança, ou conversa com pessoas no terreiro, Dona Mariana revela, ainda mais, e de forma específica – através da oralidade, dos gestos, das expressões fisionômicas e da postura –, sua performance característica. No que diz respeito à oralidade, a entidade apresenta voz grave, com tons enrouquecidos, brados frequentes e fala peculiar, associando, por meio de “desvios” e “erros” linguísticos, uma linguagem popular do Português a expressões provenientes de línguas africanas, tais como o Yorubá e o Ewê-fon. Em termos gestuais, a Encantada apresenta postura ereta, queixo alto, busto para frente e braços tensos, com as mãos fechadas para as costas, ou ambos cruzando o peito. Seu andar é vigoroso e cambaleante. Os movimentos são, ora lentos, ora rápidos, com rodopios; movimentos abertos ou para fora, executados em forma de dança em frente aos atabaques. Sua expressão é tensa, ao chegar no terreiro, e o rosto tem uma aparência carregada. Entretanto, com o desenrolar dos ritos, em alguns momentos do canto e da dança, parece estar satisfeita, feliz, embriagada; em outros, deixa transborda sabedoria e serenidade.

O Navio: o Tambor de Mina no Pará


Lá fora tem dois navios
Em um deles tem dois faróis
É a Esquadra da encantada
Marinheira Mariana
Lá na praia dos Lençóis
Ela é marinheira
Ela é marinheira
Ela é revoltosa         
Da marinha brasileira       

(Doutrina afro religiosa)

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